A distribuição de seguros perante os novos riscos emergentes: como atuar?

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Que papel num contexto pós-pandémico

Uma das lições que a pandemia Covid-19 se encarregou de deixar clara para a indústria seguradora é a de que a incerteza que faz parte do seu core, é difícil de calcular nos tradicionais modelos de aferição do risco, porque são essencialmente modelos probabilísticos, onde a base do conhecimento decorre da projeção do histórico. Todavia a inclusão de modelos estocásticos, guiados por Inteligência Artificial ajudarão na predictividade e reduzirão claramente o risco de “cisnes negros”, de modo a melhorar o “fair value” refletido no “pricing”.

A segurança das estimativas de riscos mais complexos, é fundamental para que seu processo de distribuição, possa ser acolhido quer por entidades privados, quer por entidades públicas, que tem como obrigação mitigar os efeitos da incerteza nas populações sejam estas de segurança, no que concerne por exemplo á proteção de dados face aos riscos cibernéticos, seja quanto ao maior risco estimado para os próximos anos, como é o caso dos riscos climáticos, incidam estes sobre a agricultura, a vida nas cidades ou aldeias, a garantia de viabilidade das cadeias de distribuição industrial ou sobre a saúde das populações.

 Os seguradores e resseguradores devem trabalhar afincadamente para a proposta de soluções capazes de mitigar estes riscos, melhorar a resiliência económica e social, aquando da ocorrência de sinistros, aumentando a transparência do balanço público-privado das suas consequências. Todos temos presente, os efeitos de eventos, cada vez mais extremos, associados às mudanças climáticas e o impacto dos seus custos económicos.

 Por exemplo quando hoje assistimos á vaga de calor extrema da região de Vancouver no Canadá, e as consequências na devastação provocada pelos incêndios daí decorrentes, de casas, de fábricas e de estabelecimentos comerciais e agrícolas destruídos, de culturas absolutamente reduzidas a cinzas e do número elevado de perdas de vidas humanas, ocorrem-nos duas dúvidas interrelacionadas mas independentes: a 1ª é “ como mitigar os efeitos financeiros  de tudo isto para a economia das áreas envolvidas?” e a 2ª é “ será possível evitarmos que isto ocorra no futuro?”

 A 1ª questão situa-se no perímetro da atividade seguradora, ou na sua ausência na resposta pública, e suas consequências imediatas e futuras sobre a sustentabilidade das finanças públicas.

 A 2ª situa-se num patamar de global awarness, sobre a sustentabilidade do nosso Planeta, e a necessidade de invertermos o ciclo de aquecimento global de forma drástica, assumindo um compromisso comum de neutralidade carbónica que faz parte dos planos da ONU para até 2050 atingirmos níveis de emissões zero, para salvarmos a Terra e que está consignado no designado por “Acordo de Paris”.

A visão transmitida e testemunhada por Bill Gates no seu último livro “How to avoid a climate disaster”, já editada em Portugal, é mais do um livro de pedagogia sobre o tema, é um claro plano de ação individual e coletivo para a eliminação das emissões de gases com efeito estufa.

O referenciar esta obra do fundador da Microsoft, não invalida o forte contributo para o tema que diversos cientistas, jornalistas, políticos e outros tem fornecido através de dezenas de obras. Naturalmente que noutros riscos tradicionais da indústria seguradora ainda, há muitíssimo a fazer seja por exemplo na área da saúde, da proteção da vida, ou dos fundos de pensões para aumentar a resiliência e sustentabilidade no futuro das populações a nível global.

Recentemente a OCED no âmbito da sua análise com vista a melhorar a segurabilidade de futuros eventos catastróficos, identificou o gap de perdas estimadas para o PIB de diversas economias, pela ausência de coberturas de seguros realizados. Enquanto países como a França e a Noruega possuem um gap de 12%, a Alemanha 16%, EUA de 24%, Portugal possui um gap equivalente a 67% do seu PIB, composto pela ausência de transferência de riscos para as seguradoras no perímetro de incêndios florestais (20%), cheias (17%), tempestades (8%), cyberriscos (3%) e riscos pandémicos (19%). Assim, as verificações destes riscos consumirão cerca de 67% do nosso PIB no custo de compensação das situações antes da ocorrência destes riscos catastróficos.

 Como se deduz, o valor em prémios a cobrar para garantir uma proteção on going, terão um impacto relevante nos balanços de seguradoras e resseguradoras, mas terão necessariamente um reflexo maior na “conta pública”, além da incerteza associada á mesma, e ao seu reflexo nos multiplicadores de aceleração do crescimento económico. 

  • Que papel para os distribuidores de seguros?

 

Os distribuidores de seguros, estando incluídos hoje em dia, numa classificação mais abrangente do que no passado recente, na medida em que engloba, além dos habituais mediadores de seguros (corretores, agentes de seguros e mediadores de seguros a título acessório), também as próprias empresas de distribuição na sua função de retail selling[1][2] desempenham um papel tríplice do nosso ponto de vista:

 

  • Vendedores por excelência de um produto/serviço na medida em que vendem uma promessa de proteção, a ser fornecida por uma empresa de seguros, no âmbito da transferência de um ou vários riscos para a mesma, tendo como contrapartida imediata o pagamento de um prémio.

Já clarificamos a diferença entre venda com aconselhamento, isto é, quando o distribuidor presta aconselhamento pessoal, baseado nas regras definidas para tal, e quais os distribuidores que o podem assumir e publicitar, e venda sem aconselhamento, isto é, sem produzir qualquer recomendação pessoal, mas antes tão somente decorrente das informações intrínsecas ao produto comercializado de per si.[3]

 

  • Os distribuidores de seguros como market makers podem desenvolver um papel crucial não só na identificação de necessidades de novos riscos, como na sua satisfação.

Este papel não está muito desenvolvido na maioria dos mercados da Europa Continental, mas no mercado inglês tem uma forte expressão traduzida na categoria de MGA.

Todavia, julgamos que o papel das plataformas de distribuição, agregadoras de agentes e de corretores poderão constituir uma nova forma de criação de mercado com o levantamento dinâmico de oportunidades de novos riscos, aproximando a oferta e a procura, como ocorre nos mercados de valores mobiliários.

Também a identificação de operações, da área dos designados microseguros ou seguros de nicho contribuirá para crescimentos acelerados ,e para a desintermediação de coberturas classicamente inseridas, por exemplo em apólices multirriscos.

 

  • Os distribuidores de seguros sendo cada vez mais parte do ecossistema de seguros, e representando um peso crescente na cadeia de valor, mormente com a aceleração da digitalização induzida pela Covid-19, viram crescer uma larga plêiade de insurtechs[4] que cada vez mais envolvidas nos diversos serviços de distribuição e que ameaçam progressivamente fatias crescentes das suas carteiras de negócio, conduzindo a uma “desfidelização de clientes” ligados por coberturas inócuas face às suas reais necessidades.

 

Importa reconhecer que as novas tendências agregadoras da distribuição de seguros, estão a ser transferidas do tradicional modelo de consolidação de mediadores em torno de corretores líderes e ou de grandes agentes locais, para passarem a fazer-se também em torno de plataformas tecnológicas de distribuição com especialização, por exemplo em seguros de vida risco, em seguros de saúde, em seguros das áreas de employees benefits, etc.

 

A dimensão e a capacidade de investir na tecnologia e agregar valor continuará a passar por: 

  1. Capacidade de liderança em segmentos específicos de mercado ou áreas de negócio, associada a forte notoriedade capaz de mobilizar facilmente os consumidores para as soluções apresentadas;
  2. Capacidade de oferecer substituição ao recuo da presença física das empresas de seguro, que buscam otimização da sua cadeia de captura de valor, na escala de custos de distribuição, isto é uma mera presença física e de apoio personalizado;
  3. Capacidade de oferecer soluções de serviço mais amplas para os clientes, nomeadamente aconselhamento e ofertas variadas e/ou alternativas;
  4. Capacidade para inovar e integrar soluções de canais diferenciados para a satisfação dos clientes (opções digitais e omnicanais);
  5. Capacidade para descomplicar contratos construídos para necessidades não lineares.

 Não querendo ser exaustivo nesta temática, porque continuaremos a discorrer sobre a mesma, preocupa-nos o reposicionar da cadeia de valor, na busca de novas soluções para os riscos emergentes, e que determinarão a ação dos diversos players.

 O panorama dos riscos pós pandemia

 Recentemente o think Thank “The Geneva Association” desenvolveu uma matriz de dupla entrada onde posicionou, por um lado, no eixo dos xx a relevância para indústria seguradora (classificando esta relevância em baixa, média e alta) e por outro no eixo dos yy o impacto esperado para a humanidade e para a economia global (também subdividido em baixo, médio e alto).

 Também elencaram as chaves da aceleração dos riscos em 4 tópicos:

 

  • Digitalização – decorrente dos riscos digitais propriamente ditos, bem como da aplicabilidade da IoT á “segurabilidade” dos riscos; 
  • Big Government – onde destacam o risco de aumento da inflação, o fim das yields ultra negativas, o crescimento da consciência de cenários de bail-out e o crowding out da indústria; 
  • O Pivot da sustentabilidade –decorrente da necessidade de proteção de dados sejam estes de saúde, vida, interrupção de negócios, o sentimento de fragilidade e á necessidade de construir um novo normal; 
  • O trabalho remoto –decorrente da facilidade de mudança de empregadores e empregados face á exposição aos cyberiscos, responsabilidades, propriedade, mudança para novas práticas de trabalho sustentável.

Que papel para os grandes distribuidores de seguros na colocação dos riscos?

Os grandes distribuidores, sejam estes classificados do ponto de vista da dimensão da carteira, seja do ponto de vista da inovação de processos, terão de ser capazes de crescerem na escala de valor, focando o seu crescimento na diferenciação do âmbito do negócio, e na oferta de serviços inovadores.

Os consumidores mudaram a sua maneira de estar, porque passaram a comprar cada vez mais online, apesar de a mudança de processos capazes para maximizar a satisfação do cliente ainda estarem em estádios de adaptação.

Os consumidores passaram a trabalhar cada vez mais online (teletrabalho).

Passaram também, a conviver cada vez mais com os cyberrisks e a necessitarem de mais proteção.

Reduziu-se o trabalho e a mobilidade internacional decorrente da dificuldade em viajar.

A adaptação do modo de vida, a uma presença cada vez menos urbana, associada a riscos de saúde e de sustentabilidade ambiental.

Tudo isto se traduziu, no aumento dos riscos de desigualdade e na quebra das cadeias de valor internacionais, as quais estão a dar origem a cadeias de valor mais curtas e mais nacionais.

A estes fatos não estão alheios a perda de valor do PIB global durante estes dois anos e que ainda não sabemos quando serão repostos.

Ora esta quebra de rendimento global e de riqueza é como temos visto cada vez mais assimétrica na medida em que cada vez mais se observam por exemplo o crescimento de depósitos bancários daqueles que possuem trabalho ou negócios abertos.

Significa isto, portanto, menos turismo, menos emprego, mais doenças não tratadas, porque o desvio de recursos tem estado focado no tratamento do Covid-19. A trajetória decrescimento das PME e do self employment, viu-se interrompida e está em reversão da tendência anterior, sem a substituição dos empregos perdidos.

 Ora, uma das lições desta pandemia está precisamente na forte consciência de que grandes riscos como as pandemias, ou as alterações climáticas, devem passar pela responsabilidade civil crescente perante terceiros, quer dos atos quer individuais quer dos atos coletivos. A procura de novos seguros na área da saúde, de vida, da responsabilidade civil e da interrupção de negócios preocupa cada vez mais quer as PME, quer as Populações em geral. Subjacente a tudo isto, emerge a consciência da necessidade do aumento de proteção, para a área da sustentabilidade do nível de vida, através da componente da constituição de poupanças de médio e longo prazo.

Os distribuidores de seguros tem de por um lado redesenharem todo o seu processo de vendas, integrando-o nas novas tendências gerais do ecossistema segurador de que falamos, ajudando a criar mercado, não no sentido clássico, mas essencialmente adequando os modelos de comunicação a uma forte componente pedagógico-social, ou não estivéssemos, claramente inseridos na Economia Social, onde a maioria dos valores que queremos proteger estão cada vez mais conectados aos bens comuns globais.

Autor : Fernandes da Silva

Autor : Fernandes da Silva

General Manager: A. Fernandes da Silva Consulting Lda

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