Modelos de distribuição de seguros e inteligência artificial
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Modelos de distribuição de seguros e inteligência artificial
Introdução
O tema da “inteligência artificial”(IA) é confundido por vezes com ferramentas populares como o ChatGPT, o que limita a compreensão de seu verdadeiro potencial e aplicações. Como Dagger, N. (2024) observou com a ajuda do próprio ChatGPT, pode ser definido como “um poderoso modelo de linguagem com o potencial de transformar a forma como se ganha dinheiro”. Este fenómeno capta a atenção dos distribuidores de seguros, especialmente os mediadores, que enfrentam o desafio de equilibrar a desconfiança em relação às mudanças nas interações tradicionais com os clientes e a esperança de que a IA traga eficiência e crescimento. Neste artigo, abordamos o impacto e as tendências emergentes da inteligência artificial na distribuição de seguros, oferecendo uma análise de sua aplicabilidade nas diferentes categorias de distribuidores e como delas podem beneficiar. Segundo Scupola, A. et al. (2023) citando um estudo da OCDE conduzido por Tricot (2021) o setor financeiro, incluindo os seguros, são o 3º setor com maior investimento na União Europeia, representando 16% das despesas de investimento. Na área seguradora o foco do investimento tem sido centrado nas operações, sinistros, back-office e financeira.
Caracterização da Inteligência Artificial
A inteligência artificial (IA) é um campo da ciência da computação que busca criar sistemas capazes de executar tarefas que normalmente requerem a inteligência humana. Todavia, consideramos mais adequada a caracterização efetuada por Kaplan, A., & Haenlein, M. (2019) quando mencionam a IA como “ um sistema habilitado para interpretar dados externos corretamente, para apreender com tais dados, e usar aquela aprendizagem para atingir fins específicos e tarefas, através de adaptação flexível”. Estas aprendizagens incluem aprender com dados, reconhecer padrões, tomar decisões e até interagir em linguagem natural. A IA pode ser classificada em várias áreas, incluindo aprendizagem de máquina, processamento de linguagem natural, visão computacional e robótica, cada uma oferecendo diferentes aplicações e oportunidades.
No setor segurador a IA na perspetiva evidenciada por Scupola, A. et al. (2023), a adoção da IA é uma opção estratégica dos líderes do setor que deve ser interpretada, mais do que uma mera análise custo-benefício do investimento. O redesenho dos processos organizacionais que os benefícios da aplicação da IA conduz, mais do que focar-se na alavancagem da automação é um processo de decisão, com forte impacto na produtividade e na competitividade na perspetiva analítica de Meyer et al. 2020, ou seja, mais que considerações técnicas e estratégicas deve sopesar a experiência do cliente.
Todo o processo precedente baseado na automatização e digitalização potenciado pela internet deve ser incrementado com as capacidades da inteligência artificial, facilitando o desenvolvimento do detalhe dos riscos e respetivas coberturas e consequentemente melhorando a experiência dos segurados com as seguradoras.
Enquanto a digitalização reduziu os custos de produção, melhorando a produtividade, com fortes implicações no número de colaboradores afetos à atividade, a IA pode aumentar o poder preditivo na gestão dos sinistros, na gestão da fraude, na constituição das provisões técnicas e na gestão dos ativos das carteiras de investimento adequando de forma dinâmica rentabilidade e maturidade.
A área dos sinistros nas seguradoras não vida tem sido aquela onde a IA mais tem evoluído pela necessidade crescente da celeridade na interação com os segurados ou terceiros, porque é o momento definidor da relação seguradora-segurados, e onde o impacto do custo da fraude é decisivo ser cerceado, de modo a evitar sobrecustos nos prémios a pagar pela maioria dos tomadores de seguros. Nos USA por exemplo Singh, S.K., & Chivukula, M. (2020) referiram que para um 1 trilião de dólares de prémios cobrados anualmente, a fraude atingia 40 biliões de dólares, a partir de dados fornecidos pelo FBI.
A segmentação de clientes a partir de dados socioeconómicos e demográficos, e do cruzamento com a sua jornada nas diferentes seguradoras, permite identificar padrões comportamentais cruzados com a fraude previamente identificada. Realizada esta análise e observando a sua dispersão nas carteiras dos diferentes canais de distribuição podemos através de técnicas de machine learning (um dos pilares da IA) desenvolver perfis padrão, das carteiras dos distribuidores das diferentes tipologias, de modo que, a predictivilidade dos sinistros fraudulentos possa ser desencorajada através das ações de suporte de alertas, pedagógicas ou de bloqueio (black lists).
A Inteligência Artificial aplicada nos modelos de distribuição.
Na área dos seguros não vida, a IA pode melhorar a análise de risco, otimizar processos de subscrição e aumentar a precisão, na precificação de prémios. Por exemplo, algoritmos de aprendizagem máquina, podem analisar dados de sensores, como wearables em automóveis, para avaliar o comportamento de condução. A adaptação do valor dos prémios dos seguro a um perfil mais ajustado ao risco do segurado, passa a ser mais dinâmico e adequado (fair-value).
A distribuição de seguros pode assumir uma abordagem distinta nas diversas seguradoras, com impactos diferenciados nos inputs (recolha de prémios), e nos outputs (resultados técnicos e financeiros) em função do posicionamento distinto. As seguradoras podem considerar a distribuição como um canal de interação com os clientes (visão do marketing) ou como o desenho dos modelos de negócio adotados (visão estratégica).
Esta última perspetiva do desenho de negócio com foco no cliente, integra quer os modelos tradicionais quer os modelos em looping. Cummins & Doherty (2006) ao analisarem a função económica dos agentes de seguros não vida nos USA validaram, quer a relevância dos mediadores independentes (agentes multimarca e corretores) face aos exclusivos, quer a produtividade, eficiência e qualidade dos resultados gerados para as seguradoras. Aliás podemos referir o exemplo da seguradora não vida mais rentável durante mais anos consecutivos nos USA (na perspetiva de resultados técnicos com destaque para mais de 40 anos com combined ratios médios de 95%, na politica de remuneração acionista e de reforço dos capitais próprios) a Progressive Insurance, onde a politica de distribuição assenta somente em mediadores independentes, com cap no share of wallet de cada mediador.
O desenvolvimento de plataformas de interação com o front line está em linha com as prioridades da capacitação da distribuição, por parte das seguradoras fortemente influenciadas pela digitalização crescente a partir do ano 2000.
Com a ampliação da comunicação digital, o desenvolvimento de micro-sites integrados nas plataformas de distribuição dos diferentes mediadores, muito focados na captura da interação das respetivas redes sociais, permitiu o spill over dos processos de compra e venda embebido na metodologia ROPO (research online, purchase off line).
A chegada da IA na interação da distribuição de seguros, através do pilar da mediação, assenta nos processos de segmentação da base de clientes potenciais, apesar das limitações legais decorrentes do RGPD, e na revolução da interação com chabots, capazes de responder a questões basilares, mas essencialmente baseadas em linguagem online de conversação a partir de modelos LLM.
Sendo os seguros produtos de linguagem complexa, onde a customização das soluções exige forte investimento na inovação, a solução preconizada por parte das seguradoras passará por funcionarem co-pool com os seus mediadores.
A escala de investimento para integrar a IA na interação da contratação dos seguros pelos tomadores de seguros, junto dos seus mediadores torna-se uma barreira que apenas se vislumbra operacionalizavel com uma aceleração da consolidação dos mesmos. Por outro lado, a granularidade dos mesmos, é um fator de competitividade a favor dos consumidores de seguros como o atestam a realidade de vários mercados, como o sueco (equivalente em termos populacionais a Portugal), onde a estrutura de concentração das 4 maiores seguradoras atinge perto de 80%, mas onde um número significativo de pequenos operadores (cerca de 240) garantem discriminação nas escolhas e ausência de comportamentos colusivos.
Chatbots, assistentes pessoais digitais, robôs-consultores, computação cognitiva, etc. são caminhos ao serviço da interação dos consumidores de seguros com os seus distribuidores, mas onde o caminho está por fazer na perspetiva de linguagens de interação (LLM) como o ChatGPT.
A automação e a robótica tem vindo a fazer o seu caminho junto dos segurados, através de soluções potencias pela Internet das coisas (IoT) como são os diversos wearables acopláveis a automóveis, pessoas, casas ou escritórios.
As técnicas de reconhecimento e validação (vídeo análise e reconhecimento facial por exemplo) direcionam a comunicação dos segurados com as suas seguradoras conduzindo a experiências crescentes de interação bidirecional da IA.
Conclusão:
Para os agentes de seguros, a IA pode atuar como um assistente eficiente que facilita a gestão de carteira de clientes e personaliza as ofertas. Com insights derivados da análise de dados dos clientes, os agentes podem propor soluções mais adequadas e aumentar suas taxas de conversão e retenção de clientes.
Já os corretores de seguros podem beneficiar da IA através da análise de grandes volumes de dados do mercado, que lhes permitem oferecer consultoria mais informada e estratégias de cobertura otimizadas para seus clientes.
A IA também permite aos corretores otimizarem os processos administrativos, dedicando mais tempo ao atendimento e pesquisa de clientes e à obtenção de novos negócios.
Apesar das desconfianças iniciais, especialmente entre mediadores, a adoção estratégica da IA pode não só simplificar o dia a dia como também proporcionar novas vias de crescimento.
É importante que os profissionais do setor se familiarizem com estas tecnologias e considerem como integrá-las às suas operações de forma a maximizar os benefícios.
Referências Bibliográficas
Cummins, J. D., & Doherty, N. A. (2006). The economics of insurance intermediaries. Journal of risk and insurance, 73(3), 359-396.
Kaplan, A., & Haenlein, M. (2019). Siri, Siri, in my hand: Who’s the fairest in the land? On the interpretations, illustrations, and implications of artificial intelligence. Business horizons, 62(1), 15-25.
Meyer, C., Cohen, D., & Nair, S. (2020). From automats to algorithms: the automation of services using artificial intelligence. Journal of Service Management, 31(2), 145-161.
Scupola, A., Auletta, F., Abildgaard, V.H., Riddersholm, M. Z. (2023). A Review of Concepts and Applications of AI in Non-Life Insurance.
Singh, S. K., & Chivukula, M. (2020). A commentary on the application of Artificial Intelligence in the insurance industry. Trends in Artificial Intelligence, 4(1), 75-79.
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Autor : Fernandes da Silva
General Manager: A. Fernandes da Silva Consulting Lda