O risco moral (moral hazard) em seguros

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O risco moral (moral hazard) em seguros

O risco moral resulta do desequilíbrio da informação entre as partes em presença numa relação contratual, ou seja, como refere Akerlof (1970) da existência de assimetria de informação, a qual é geradora de incerteza e de falta de qualidade associada a essa mesma informação. A compreensão do desenho dos contratos de seguros (apólices) carecendo de regulação pública (como decorre da lei das cláusulas gerais) é composta por quatro conceitos básicos: o risco moral, a seleção adversa, o compromisso (commitement) e a renegociação.

A existência da assimetria de informação é transversal à maioria dos negócios, mas é crítica em setores onde o risco é a essência do mesmo, como os seguros. Utilizando a caracterização económica de Arrow, citada em Zweifel et al. (2021; p.3) como sendo “a troca de dinheiro hoje (o prémio) por dinheiro pagável perante certas contingências (os sinistros), decorrentes da ocorrência de certos eventos futuros”.

A incerteza decorrente do risco a transferir das diversas entidades (pessoas ou organizações) para as seguradoras, em si própria motiva a emergência de moral hazard, o qual exige um processo de cobertura complexo, seja através de medidas de mitigação diferenciadas conforme a natureza do mesmo (automóvel saúde, vida, responsabilidade civil entre outros). Essas medidas podem ser dissuasoras (onde a mais conhecida é o bónus-malus) ou penalizadoras (refletidas no prémio explícito a pagar). Isto traduz-se no reconhecimento de que a existência do risco moral, não pode ser totalmente eliminado pelas seguradoras, como refere Shavell, S. (1979) onde os cálculos efetuados pelas seguradoras não refletem a sua medida com exatidão, porque se trata de uma estimativa elaborada ex-ante na contratação das apólices.

Não podemos esquecer que a formulação do prémio puro das apólices tende para a expetativa de lucro zero, ao qual se adicionam as diversas componentes de despesas contratuais (como as da distribuição), as despesas de gestão (administrativas e as expetativas de remuneração do capital) expressas no prémio comercial. A componente especulativa final reflete a capacidade de ajustar as coberturas embebidas ao real poder de mercado (bargain) dos diversos players, para os quais concorrem fatores externos, com destaque para o efeito estrutura de mercado e a gestão de custos decorrente da otimização do modelo de negócio escolhido. A seleção do modelo de cobertura ótimo do risco moral das apólices a comercializar, refletem a diferença entre o custo marginal e o benefício marginal, da utilidade expressa na maximização da sua redução por cada segurador.

O risco moral em diferentes tipos de seguros

– No seguro de saúde:

É um seguro, onde os segurados conseguem antecipar melhor o comportamento previsível da sua saúde, face ao conhecimento detido dos episódicos e tipo de vida ocorridos quando desenvolvem as respostas aos questionários de risco apresentados pelas empresas de seguros. Abre-se campo para a emergência do risco moral interligado com o risco da seleção adversa, apesar de se tratar de fenómenos distintos. Neste sentido Einav et al. (2013) consideram que a seleção adversa para uma dada cobertura é “afetada pelo seu comportamento de resposta à cobertura”. Nos seguros de saúde, os copagamentos catalisam o papel de mitigadores do risco moral, os quais combatem em simultâneo a seleção adversa, muito embora a capacidade de antecipar comportamentos de eventos geradores de sinistros estejam presentes na seleção/análise das coberturas ex-ante.

– No seguro automóvel:

A assimetria de informação nos seguros automóveis, no âmbito do risco moral, evidencia uma correlação positiva com o esforço de prevenir acidentes, que a indústria seguradora procura mitigar de diversos modos, seja através dos bónus- malus, ou franquias. Dionne et al. (2013) na sua investigação sobre o tema, sugerem que a captura da experiência dos condutores na gestão do comportamento associado ao bónus-malus prediz a linearidade do mesmo até ao esgotamento da sua maximização e inversão a partir daí, como testado em França. Esta investigação pode remeter para o alargamento do seu efeito por parte das seguradoras, embora não haja evidência de que a partir de cinco anos da sua utilização, o processo de “learning by doing” dos condutores, revele capacidade de acomodação do seu efeito. A inovação de novos complementos de motivação, passará por ligar a duração dos contratos a expetativas sobre o prémio, cujo melhor “floor” a oferecer interligará a melhor oferta do mercado para o mesmo nível de risco, potenciando o efeito inércia, sem destruir valor e/ou bloquear expectativas.

– No seguro de D&O:

O seguro de D&O (directores and officers) sendo enquadrado na responsabilidade civil em geral, não dissocia o conhecimento ex-ante da parte dos segurados da necessidade de cuidados no tratamento do risco coberto de modo a reduzir os potenciais eventos associados (sinistro) a nível das reclamações potenciais de terceiros, mesmo que as mesmas decorram apenas dos custos de defesa. O desempenho de atividades no âmbito da gestão, como são os casos de M&A, são estudados por Lin et al. (2011) para o mercado do Canadá e evidenciam as consequências do risco moral, nos custos de defesa dos resultados esperados a pagar às partes envolvidas em caso de erro de cálculo das sinergias do negócio. O mesmo ocorre para o caso do risco de insolvência, decorrente de erros de gestão sejam da administração, ou dos diretores de topo envolvidos, na medida em que as consequências podem ter sido antecipadas entre uma das partes (o tomador de seguro/segurado e a empresa de seguros).

– No seguro de colheitas:

Sendo este seguro um misto de seguro público e privado, o aumento do risco moral torna-se potencialmente maior, em torno do comportamento dos produtores, na medida em que a verificação das condições geradoras do sinistro, por parte dos peritos de sinistros, não são suscetíveis de ser antecipadas nas condições das plantações face às alterações climáticas com a conjugação por exemplo do desenvolvimento associado à correta utilização dos fertilizantes face à volatilidade dos seus custos. Wu et al. (2020) designam esta situação como de subsídio ao risco moral, nos seguros de colheitas, quando investigam os obstáculos ao tema nos USA.

CONCLUSÃO:

A assimetria da informação lidera a abordagem do risco moral, na medida em que as partes (tomador de seguro/segurado/pessoa segura e empresa de seguros) não dispõem em simultâneo de mecanismos que permitam garantir a segurança e exatidão justa para a formação dos contratos. A informação detida e não partilhada por uma das partes, é um incentivo para explorar a outra parte, no que normalmente se enquadra no risco moral. Por exemplo quando um turista contrata um taxista, é claro que este último detém mais informação e pode explorar o routing do táxi, maximizando o valor da “corrida”. Quando um restaurante contrata um seguro multirrisco para o seu estabelecimento e informa a seguradora de determinadas condições de segurança para beneficiar de um prémio mais baixo, como a existência de sprinklers, sabe se os mesmos funcionam e as consequências da sua utilização em caso de incêndio. Do ponto de vista do tratamento da assimetria da informação estamos perante o tratamento do designado problema “principal- agente”. A mitigação do risco moral nos seguros, faz-se com incentivos como os que vimos acima, e com redução da assimetria da informação entre as partes, como a validação prévia do risco a transferir (como no caso da vistoria prévia dos carros que pretendem contratar a cobertura de danos próprios) encurtando as vantagens/desvantagens entre as partes.

O estabelecimento de scorings de rating reputacional para os tomadores de seguros corporativos, a exemplo do que acontece na dinâmica de “review dos sites” poderia ser o meio de envolver as partes e o mercado no sentido de redução das diversas componentes do risco moral, associado à assimetria da informação.

Referências bibliográficas:

Akerlof, G. A. (1970). The market for “lemons”: Quality uncertainty and the market mechanism. In The Quarterly Journal of Economics 84 (3); 488-500

Dionne, G., Michaud, P. C., & Dahchour, M. (2013). Separating moral hazard from adverse selection and learning in automobile insurance: longitudinal evidence from France. Journal of the European Economic Association, 11(4), 897-917.

Einav, L., Finkelstein, A., Ryan, S. P., Schrimpf, P., & Cullen, M. R. (2013). Selection on moral hazard in health insurance. American Economic Review, 103(1), 178-219.

Lin, C., Officer, M. S., & Zou, H. (2011). Directors’ and officers’ liability insurance and acquisition outcomes. Journal of Financial Economics, 102(3), 507-525.

Shavell, S. (1979). On moral hazard and insurance. In Foundations of insurance economics (pp. 280-301). Springer, Dordrecht.

Wu, S., Goodwin, B. K., & Coble, K. (2020). Moral hazard and subsidized crop insurance. Agricultural Economics, 51(1), 131-142.

Zweifel P., Eisen R., Eckles D. L. (2021). Insurance Economics. 2nd Ed. Springer. (e-book)

DISCLAIMER:

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Autor : Fernandes da Silva

Autor : Fernandes da Silva

General Manager: A. Fernandes da Silva Consulting Lda

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