Porque falham alguns modelos de negócio adotados na distribuição de seguros e outros não?
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Porque falham alguns modelos de negócio adotados na distribuição de seguros e outros não?
Introdução
Os modelos de negócio de distribuição de seguros não vida, são abordados na perspetiva
da criação de valor para os shareholders e entrega de valor aos consumidores de seguros. A partir de uma análise para um período de 15 anos (2008-2022) e agregando os modelos de negócio assentes na distribuição, que refletem a organização da oferta, comunicação, recolha do risco, organização da presença física e digital, entre outros – porque falha o modelo tradicional em Portugal face ao modelo de bancassurance e venda direta? Que tendências emergem?
Os principais modelos de negócio da mediação de seguros
Os modelos de distribuição na indústria seguradora são um pilar estruturante do modo como as seguradoras se organizam para responder às necessidades dos consumidores de seguros (na perspetiva de clientes em geral, não distinguindo segurados e beneficiários).
Este fator é decisivo do ponto de vista da arquitetura dos modelos de negócio no setor.
O conceito de modelo de negócio é utilizado de forma distinta entre académicos e profissionais da gestão confundindo-se por vezes com estratégia, modelos de resultados, ou outros, tendo sido mencionado pela primeira vez no artigo de Belman de 1957 como referiram DaSilva & Trkman (2014). Osterwalder, Pigneur & Tucci (2005) ao desenvolverem o conceito de modelo de negócio referiram que o mesmo explicita como um dado negócio funciona. Magretta (2002) referiu tratar-se de um desenho para operacionalizar o funcionamento de um dado negócio na lógica da criação de valor. Teece (2010) considerou um modelo de negócio mais genérico do que uma estratégia de negócio, porque esta propõe-se garantir uma vantagem competitiva face a rivais, através de uma proposta de valor diferenciada baseada na segmentação de clientes e respetiva proposta de valor, tecnologia e infraestruras, nomeadamente equipamentos e instalações.
Christensen & Johnson (2009) caracterizaram o conceito de modelo de negócio a partir de quatro elementos interligados que em conjunto criam e entregam valor, de forma diferenciada aos diversos stakeholders através de recursos para a geração da proposta de valor e de processos para desenvolvimento da fórmula do lucro.
Os modelos de negócio na indústria seguradora explicam como as seguradoras trabalham e se organizam para criar valor para os clientes. Nas seguradoras os modelos de negócio podem ser descritos na perspetiva referenciada por Christensen & Jonhson (2009) numa abordagem tradicional, ou na ótica de Osterwalder & Pigneur (2010) numa perspetiva de utilização dos blocos do modelo Canvas. Os modelos de negócio nas seguradoras espelham o modo como atuam e criam valor para os clientes através de uma arquitetura de custos e proveitos que desembocam na fórmula das margens técnica e financeira.
Os modelos de negócio das seguradoras dividem-se tradicionalmente em modelos não vida (property/casualty and liability) ou vida (life and health insurance). Em Portugal os seguros de saúde estão nos ramos não vida na perspetiva regulatória da ASF.
Nos modelos de negócio dos seguros não vida a importância dos distribuidores é fundamental para a alocação da proposta de valor aos clientes através da venda e da comunicação. A manutenção da relação com os clientes, o apoio pós-venda, a receção e envio do fluxo de rendimento para as seguradoras oriundo da cobrança dos prémios, fazem parte da distribuição.
A relevância agregada dos modelos de negócio de seguros não vida em torno dos distribuidores é comprovada pelo fato de os mesmos representarem o maior custo não core das seguradoras (aquisition cost) seguido dos gastos administrativos (administrative cost), os quais são essenciais para a quota de mercado (market share) e performances obtidas. As quotas de mercado das seguradoras não vida são um dos fatores que influencia a sua competitividade.
As seguradoras organizam a oferta, a comunicação, a recolha e tratamento do risco, os sistemas de cobrança, de gestão de sinistros, o serviço de apoio, a formação interna e externa, a presença física e digital e o suporte tecnológico a partir dos modelos de negócio de distribuição adotados.
Os modelos de negócio de distribuição nos seguros não vida são um fator de competitividade, medido por indicadores de eficiência económica. Representam os custos diretos das remunerações pagas aos distribuidores, e os custos indiretos relacionados com o cost to service disponibilizado (tecnológico, formação, recursos humanos, entre outros) expressos nas despesas operacionais (expense ratio).
A preocupação com a racionalização destas componentes agregadas em torno da distribuição é fundamental para maximizar a competitividade das seguradoras e as suas performances. As componentes da distribuição na perspetiva prática são um referencial dos pilares dos modelos de negócio dos seguros não vida.
Subdividimo-los em modelos tradicionais (agentes multimarca, corretores, agentes exclusivos e mediadores a título acessório), bancassurance (agências bancárias e dos correio) e diretos incluindo neste as vendas físicas nos balcões e as vendas digitais por telefone e por internet.
Fonte: Elaboração do autor. Dados ASF
Na análise na perspetiva anteriormente descrita dos modelos de negócio, incluímos num modelo autónomo, os agentes que são balcões bancários e de correios (bancassurance) onde a partilha de uma base de clientes com as seguradoras numa perspetiva win-win, tem vindo a crescer nos últimos 15 anos (2008-2022). O seu contributo para o crescimento da receita (no quadro acima a evolução da quota agregada dos PBE passa de 7,6% para 12,7% com um crescimento de 65%) e da eficiência técnica e financeira face ao decréscimo do modelo tradicional, onde incluímos os mediadores de seguros tradicionais como são os agentes e os corretores de seguros.
Na ótica da divisão jurídica decorrente do RJDSR (Lei 7de 2019 de 16 de janeiro de 2019) são estabelecidas três tipologias de distribuidores de seguros : empresas de seguros, mediadores de seguros e mediadores de seguros a titulo acessórios. Os mediadores de seguros incluem duas categorias – os agentes de seguros e os corretores de seguros.
Numa perspetiva de análise de modelo de negócio direto incluímos os balcões físicos das seguradoras e a distribuição telefónica e digital em alternativa à inclusão nesta dos agentes de seguros exclusivos que Garven, J.,R. & Grace, M., F. (2001) consideram uma mera extensão das seguradoras, não se situando no limiar de distribuidores independentes capazes de fornecerem soluções alternativas e/ou diferenciadas para as carteiras de riscos dos seus clientes.
Tabela 2 : Evolução do numero de mediadores inscritos na ASF vs mediadores nomeados nas seguradoras sob supervisão da ASF entre 2008 e 2022
Fonte: Elaboração do autor: dados ASF
A importância da distribuição de seguros independente tem vindo a crescer seja pelo papel de agregação dos brokers, seja pela diminuição do número de mediadores de seguros inscritos na ASF, expressos na “taxa de duplicação”, tem vindo a crescer no mesmo sentido da consolidação dos mediadores de seguros (agentes e corretores) proporcionando ganhos de produtividade às seguradoras refletidos no aquisition cost mas revelador de um desalinhamento de ganhos de produtividade a nível dos administrative cost, que reflete um enviesamento na gestão das seguradoras da eficiência, face à captura produtiva de ferramentas de IT. Desenvolveremos a análise do tema em futuros blogpost balanceando os contributos destas duas componentes para o expense ratio.
Conclusão
- É de assinalar o crescimento sustentado do canal de distribuição de bancassurance em não vida, em 65% nos últimos 15 anos (2008-2022), apesar da crise que afetou o setor bancário e da redução do numero de agências e balcões postais, em contraponto com o contributo para eficiência técnica e financeira deste modelo de negócio para as seguradoras, que abordaremos com detalhe em próximo blogpost. Está sinalizada a relevância crescente do canal e uma potencial ameaça aos modelos agenciários tradicionais que terão de se reinventar para aumentar a tração para competitividade e eficiência operacional das seguradoras não vida.
- O modelo tradicional de distribuição de seguros não vida composto pelas atuais figuras jurídicas contempladas no atual RJDSR, corretores de seguros, mediadores de seguros a titulo acessório e mediadores na categoria de agentes sob o formato multimarca ou exclusivos tem vindo a perder quota de mercado não só em vida, mas também em não vida, onde nos últimos 15 anos (2008-2022) reduziram o seu poder de mercado (share of wallet) em cerca de 9%. Sinalizaremos em próximo blogpost em sentido inverso o seu contributo para uma menor eficiencia técnica e financeira na perspetiva dos custos de aquisição e de sinistralidade, reduzindo o nível de relevância perante as seguradoras.
- O modelo de venda direta, que na análise efetuada inclui os balcões físicos das seguradoras, as vendas telefónicas e as digitais (que aumentaram de importância a partir de 2016) constata-se que as decisões de encerramento dos balcões físicos viu o seu contributo para as vendas diretas, superado pelas vendas digitais (agregando telefone e internet), e revelando um aumento de quota agregada nos PBE que passa de 7,9% para 10% representando uma taxa de crescimento acima de 25%. Também o contributo para a eficiência técnica e financeira se revelou um forte contributo para a melhoria do desempenho das seguradoras não vida.
- A evolução da taxa de duplicação que passa de 1,64 em 2008 para 2,03 em 2022 indica um abandono crescente dos agentes de seguros exclusivos para uma contratualização de agentes multimarca, refletindo o fato de as soluções monomarca serem cada vez menos validadas pelos consumidores de seguros. A mudança de paradigma de modelos de distribuição exclusiva será também tema para futuro blogpost, onde se destacarão vantagens comparativas para os próximos empreendedores dinâmicos. Daremos seguimento ao tema na perspetiva dos modelos híbridos e das novas tendências de distribuição de seguros emergentes.
Referências bibliográficas
Christensen, C. M., & Johnson, M. W. (2009, August). What are Business Models, and how are They Built?
DaSilva, C. M., & Trkman, P. (2014). Business model: What it is and what it is not. Long range planning, 47(6), 379-389.
Garven, J. R., & Grace, M. F. (2001). The profit efficiency of information technology investment: a comparison of alternative distribution systems in the US property-liability insurance industry. working paper. Georgia State University, Atlanta.
Magretta, J. (2002). 2 The Business Model. Harvard business review.
Osterwalder, A., Pigneur, Y., & Tucci, C. L. (2005). Clarifying business models: Origins, present, and future of the concept. Communicati
Teece, D. J. (2010). Business models, business strategy and innovation. Long range planning, 43(2-3), 172-194.
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Autor : Fernandes da Silva
General Manager: A. Fernandes da Silva Consulting Lda