Tendências de 2022 na indústria seguradora e o reflexo da guerra na Ucrânia

 

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Tendências de 2022 na indústria seguradora e o reflexo da guerra na Ucrânia

As tendências perspetivadas para um determinado período, normalmente ajustam-se com o decorrer do tempo. Os decisores empresariais, políticos ou outros incorporam na sua estratégia, o seu desenho ou reajustamento anual, face às tendências perspetivadas, nomeadamente retificando objetivos. Na indústria seguradora, todo o ecossistema deverá saber incorporar as tendênciais emergentes potenciadas pela pandemia, e agora pela guerra na Ucrânia seja em Vida ou Não Vida.

Estratégia e ação

No ecossistema segurador, definida que esteja a visão a médio prazo de maior rentabilidade ou maior quota de mercado, e o processo como se quer lá chegar, através da escolha dos segmentos de atuação, e do target market, quantificam-se objetivos de vendas, financeiros, de performance, etc. As seguradoras focam-se habitualmente no volume de prémios por ramo, tendo presente o mix esperado do seu contributo para a sinistralidade, de modo a obterem um combined ratio que se enquadre no plano financeiro dos seus shareholders, para maximizar o respetivo retorno e mitigar os custos incrementais de capital necessário a garantir os KPIs exigidos pelos modelos de solvência.

A fase seguinte de definição do plano de operações, tem como denominador de gestão a rentabilidade antes de mais, porque a liderança pelos custos, seja na redução do expense ratio, seja na otimização do claims ratio, determinará no futuro próximo a sobrevivência das seguradoras.

O trade off na área dos custos não se faz somente na área do cálculo atuarial para a estimação dos riscos, conjugando o mix da oferta, mas também pela otimização do bloco custos de aquisição e despesas administrativas. Sendo as seguradoras essencialmente distribuidores grossistas, devem incidir toda a sua atenção nos modelos de distribuição, para escolherem os melhores distribuidores (aqui a equação passa por volume de carteira – assente em retenção fidelização, e por dinâmica comercial – assente no ritmo de venda dos produtos designados por estratégicos, porque escolhidos como drivers do crescimento).

A relação volume/venda versus cost to service, impacta numa equação de custos administrativos, normalmente vistos isoladamente do ponto de vista departamental ( o famoso conceito de silos).

A definição do plano de operações, deve possuir a flexibilidade necessária para incorporar o princípio do movimento estratégico, ou seja, movimento-me para o meu objetivo, os meus concorrentes movimentam-se para os seus, e o ambiente onde navego também se movimenta sem que o possa controlar, mas apenas cenarizar e escolher.

O desafio que se coloca aos gestores da indústria é alterar o modelo analítico de tratamento estratégico da definição dos objetivos operacionais, deixando os critérios orçamentais tradicionais, de projeção linear de custos e proveitos, e passando para critérios preditivos de base estatística, que correlacionem positivamente (ou não) as diversas variáveis em análise. Estes modelos de análise para garantirem robustez, devem contemplar as previsões de evolução da tecnologia, do grau de qualificação dos recursos humanos, da capacidade transformacional das empresas e last but not the least, o comportamento esperado dos tomadores de seguros.

Que trabalho de marketing research é efetuado para avaliarmos o mercado potencial? Que necessidades conseguimos antecipar do analytics de riscos esperados, para o nosso portfolio futuro? Como estamos condicionados pela estrutura de mercado ramo a ramo e qual o grau de correlação existente entre os mesmos, capaz de fazer parte da proposta de valor? Etc.

Segmentação e dados

A tradicional segmentação na indústria seguradora tem passado por uma divisão da população de tomadores de seguros entre particulares e empresas. Nos particulares segue-se uma segmentação entre pessoas individuais e famílias. Nas empresas a divisão é efetuada por critérios de dimensão de número de trabalhadores/volume de faturação, entre pequenas empresas, médias empresas e grandes empresas. Aqui chegados importa desenvolver a segmentação ajustando-a a classes de rendimento/classes profissionais no caso dos particulares, e concentração de riscos associados aos negócios no caso das empresas. A tradicional abordagem do risco por CAE, sendo um facilitador da agregação de padrões de risco por atividades económicas, não potencia a procura e o foco nas melhores margens, o que gera um ciclo anual de revisões técnicas, que desclassificam os modelos de cálculo do risco e a política de gestão do mesmo. Isto significa pensar out of de box, focando-se em inovação operacional.

Desenvolver uma cultura de dados e conjugar técnicas estatísticas para poder extrair conclusões com maior fiabilidade, exige uma mudança de mindset dos gestores responsáveis. Recolher informação dos clientes, tratá-la e armazená-la não conduz a nada. Recolher dados externos das mais diversas fontes, organizá-los e extrair conhecimento, através da aplicação de técnicas de data mining, ajudará ao desenho da estratégia quantificada, e permitirá construir KPIs de gestão integrados para os mais diversos níveis de interação: de gestão, comercial, de cálculo de risco, de tratamento de sinistros, de produção e financeiros, proporcionadores de conhecimento, envolvendo toda a estrutura, embora a níveis diferenciados.

A segmentação nos modelos B2B2C seguradores, não pode deixar de segmentar a população dos seus distribuidores. Neste domínio da evolução da indústria, pouco mais fez até hoje do que marcar passo. Os distribuidores são preliminarmente repartidos numa lógica de enquadramento jurídico da distribuição: agentes de seguros e corretores de seguros. Pelo seu número, os corretores, normalmente não são divididos, apesar de sabermos que cerca 5% representam mais de 80% do volume de prémios mediados. Os agentes de seguros dividem-se entre multimarca e exclusivos, seguindo-se critérios de divisão no patamar seguinte, associando volume de carteira basicamente. São critérios com visão estática de gestão, que não impulsionam dinâmicas de crescimento sustentado.

Questionar quais são as variáveis que conjugam traços comuns desta população de distribuidores, não é feito, e por isso o esforço de dinamização dos canais de distribuição é elevado e os resultados são parcos, e maioritariamente não alinham com a segmentação fundamental da oferta, perpetuando ausência de ganhos de quota na maioria das seguradoras.

Os fatores geográficos na segmentação do risco a incorporar na maioria da oferta dos produtos de seguros deve ajustar um processo de fine tunning, que a incorporação de análise através de metodologias de inteligência artificial, permitirá a subscrição de classes de risco sem outliers, seja no ramo automóvel, no ramo multirriscos ou outros.

Os fatores psicográficos, devidamente identificados transformariam a proposta de valor da maioria dos ramos de seguros, com vantagens quer para os risk takers quer para os tomadores, fazendo o split da maioria das coberturas de obrigatórias para opcionais.

E a questão comportamental onde nos leva? A uma abordagem por hábitos associados ao efeito residencial, cultural, relacional, tecnológico ou geracional. A perspetiva da falta de incorporação da matriz comportamental, não tem permitido avanços amigáveis da oferta do ponto de vista da otimização tecnológica da distribuição. Existem casos de um esforço muito interessante na área Vida, no sudeste asiático, cruzando a simplificação da linguagem contratual com tecnologia e efeito geracional com resultados no crescimento muito acentuados.

Target market e dados

Quando queremos construir uma proposta de valor, que eleve e sustente a estratégia de rentabilidade ou de ganho de quota, importa com clareza definir o público-alvo, sabendo todos os gestores da indústria que a aplicação da regra 80/20 de Pareto na seleção dos tomadores de seguros, é o caminho para garantir o crescimento dos diversos stakeholders. Isso não é claro na maioria das seguradoras, que acabam por projetar ciclos internos crescimento/saneamento de careira, com elevados custos de imagem e de relação de rede.

A utilização de técnicas de data mining como a classificação e o clustering ajudam a vermos claro onde queremos atuar, mas a identificação das formas de atuação, exigem uma abordagem preditiva no targeting process, seguido de um alinhamento da oferta a nível de coberturas, exclusões, capitais ou franquias. Quem chegar primeiro, ou seja, quem demonstrar na prática comportamentos mais ágeis (agile) aumentará a sua competitividade.

Posicionamento e dados

Responder às necessidades reais e potenciais dos tomadores de seguros, passa mais uma vez por seguir a sua jornada, e medir as suas reações. Os métodos clássicos dos surveys baseados em inquéritos de satisfação periódicos, não refletem um processo de medida cuja publicitação mereça confiança e credibilidade hoje em dia. Temos potencial analítico online, para mais uma vez recolher dados externos dos clientes no espaço web, permite-nos graus de eficácia na transformação do cliente, num “aliado”. Há seguradoras que sonham em criar comunidades de tomadores, mas esquecem-se de personalizar os seus produtos com o seu branding. Muitos tomadores de seguros compram smartphones, mas a lealdade, o orgulho e a noção de pertença é muito mais forte naqueles que compram um Iphone, que mais não é, do que um smartphone da Apple.

A imagem de um contrato de seguro é mais difícil de desenvolver porque é um intangível, mas não deixa de ser uma referência. Quando a Progressive Insurance assumiu uma segmentação da sua oferta para as necessidades claras dos seus clientes e alinhou a sua distribuição para isso, escolheu distribuidores independentes com um celling floor balizado num share of wallet nunca superior a 40%. Isso permitiu o desenvolvimento de uma comunidade de tomadores, uma yield permanente de crescimento com quase 40 anos do share equity, combined ratios médios em torno de 95%  e um ganho incremental de quota anual constante, sem saneamentos de carteira que impactem no custo da relação.

Quota de mercado e tendências

A avaliação da performance da estratégia adotada, traduzida numa seleção de KPIs de monitorização, sejam eles de rentabilidade ou quota, mensurando competitividade técnica e financeira, basicamente medindo a trajetória dos objetivos traçados. Mas a necessidade do seu reajustamento poderá ser maior ou menor, por efeito de variáveis externas não incorporadas, dado que em mercados como o português de estrutura monopolista as estratégias de crescimento, passam pela adaptação do modelo económico de Bertrand para a tomada de decisão.

As tendências traçadas para 2022 para a indústria seguradora, não se alheiam das evoluções passadas, e procuram encontrar drivers, onde alguns buscam solução, à falta de trabalho de planeamento ou capacidade de execução.

Destacamos as seguintes tendênciais:

  • esforço de alinhamento do processo de segmentação de clientes e canais para que o cliente encontre conveniência, aconselhamento e valor percecionado;
  • Segmentar coberturas, separando claramente as principais das opcionais, para alinhar a perceção de necessidade com o valor pago, desenvolvendo conveniência nos meios de pagamento disponibilizados e na periodificação permitida;
  • aposta crescente no conceito de pay-per-use e em produtos on/off flexibilizando o ajustamento das necessidades de transferência de risco para os tomadores de seguros
  • aposta crescente na oferta e na pedagogia dos cyber-risks, com o incremento dos cyber-attacks
  • melhoria do processo de recolha, e integração de dados de diversas fontes, não só ao serviço da medição do risco, mas também na prevenção do risco moral (moral hazard) ou dos processos anti seleção
  • melhoria da comunicação e da tangibilização dos seguros para os tomadores e a comunidade em geral, através da conjugação da sustentabilidade ambiental e proteção social.
  • aposta nos processos de acompanhamento digital na área vida financeira, com a normalização dos perfis de risco e a obrigatoriedade de comunicação da evolução trimestral.
  • aposta em produtos híbridos em vida financeira e em vida risco, reduzindo a aversão dos tomadores de risco ao “risk own house “e transformando conveniência em resposta integrada em vida risco com saúde ou bem-estar;
  • aposta na formação de redes de especialista de vida, com uma visão holística do ciclo de vida das pessoas desde o nascer ao morrer.

Conclusão

Estruturar a ação do pos covid 19, passa por definir estratégias de crescimento, onde os tomadores de seguros reaprenderam a valorizar a necessidade de transferir riscos, que passaram a identificar como mais relevantes e que conjuntura de incerteza que a guerra da Ucrânia potencia. Uma oportunidade para reajustar a trajetória da estratégia definida pelos gestores das seguradoras, com reflexos inevitáveis na qualificação e profissionalização dos canais de distribuição.

 

Autor : Fernandes da Silva

Autor : Fernandes da Silva

General Manager: A. Fernandes da Silva Consulting Lda

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